ARTIGOS
A música preferida de Chico Xavier
TRIBUNA DE RIBEIRÃO | Bueno, cantor e compositor
Na gaveta de minha memória guardo as músicas de minha preferência. Creio que todos devem ter um arquivo musical. Como estou sempre compondo, meu gosto, às vezes, sofre variações. É que fico louco quando escrevo algo que me encanta em uma nova composição, daí passo a cantá-la aonde vou. Nas minhas caminhadas diárias, vou sussurrando pelas calçadas ou pelas sombras das sibipirunas da avenida Nove de Julho, que nesta época do ano forram o chão com suas flores de um amarelo que só Deus tem a fórmula da cor. Este pedaço me inspira e daí solto o gogó.
Dei uma geral nas músicas preferidas de alguns famosos e veio à tona a lembrança do presidente Juscelino Kubitschek. Era tido como um grande boêmio, amigo de poetas e músicos, tanto que, quando estava construindo Brasília, levou para passar com ele uma temporada nosso maestro Tom Jobim, de piano e tudo. Imaginem o trabalho que deu levar o piano de avião e passá-lo pela pequena porta do Palácio Catetinho…
Dias depois desembarcou lá nada mais, nada menos que Vinícius de Morais. O presidente os levou para conhecer uma mina d’agua que ficava na mata nativa atrás do Catetinho. A força da água – geladinha – que jorrava era muito forte. Os dois parceiros da nossa MPB não perderam a chance e compuseram “Água de beber” em homenagem aquela bica. Mas a música preferida do presidente era “Peixe vivo”. Pensava que era do folclore mineiro, mas o Google diz ser de Craveiro & Cravinho.
O gosto do Sócrates era eclético, mas sempre que pegava meu violão, logo cantava “Mágoa de boiadeiro”. Uma das coisas que me impressionavam no Sócrates era que ele tocava violão e não sabia o nome das posições. Certo dia, nós já havíamos tomado algumas, ele pegou meu violão e cantava sua “Mágoa de boiadeiro”. Eu observava e reparei que ele não fazia o dó maior, assim a música ficava meio que quadrada. Daí eu disse: “Faça o dó maior aí, Magrão”.
Ele fingia não me ouvir, eu então repetia: “Faça o dó maior, cara”. E nada… Na terceira vez eu disse: “Magrão, se você fizer o dó maior, a música fica mais bonita”. Ele parou de tocar e, sorrindo e brincando, filosofou como Tim Maia: “Buenão, vou te passar uma bola e te mandar bater de três dedos, quero ver se consegues”.
A galera que estava perto se esbaldou, a gente se abraçou e rimos muito. Depois ele disse: “Buenão, veja você, sou médico formado pela USP, joguei no Botafogo, Corinthians, Flamengo, Santos, Fiorentina e capitão da Seleção Brasileira em duas Copas do Mundo. Agradeço a Deus por me permitir viver tudo isso, só faltava ele me dar voz boa e tocar violão bem. Pô, Buenão, aí é querer demais do Homem (risos).”
André Luiz, que através de psicografia de Chico Xavier escreveu “Nosso lar” e mais de dezenas de livros, escreveu também um pequeno e bem-humorado texto onde fala do momento do nosso banho de todo dia. Li, reli, e volto sempre a bater meus olhos nele. André Luiz fala o quanto o banho nos modifica, durante e depois. Diz que é um momento tão sublime que nós até podemos nos curar de alguma doença.
Diz também que nos transforma em cantores, o que é verdade. A água caindo em nossa cabeça, percorrendo nosso corpo é um passe espiritual. Repare que ao sair do box você está bem diferente do que quando entrou – sempre rezo o Pai Nosso debaixo do chuveiro.
Certa noite, cantando no Centro Espírita Casa da Verdade, uma senhora me disse que a música preferida de Chico Xavier era “Ai Lili, ai Lili, ai Lou”. Eu conhecia a música, mas nunca a tinha cantado. Recorri ao Google e lá estava ela na voz de Gal Costa. Hoje quando a canto meu pensamento vai para nosso Chico, pois é a forma que também vivo a vida… “Eu vivo a vida cantando, ai Lili, ai Lili, ai Lou, por isso sempre contente estou, o que passou, passou…”