Qual é o mais terrível obsessor?

AGENDA ESPÍRITA BRASIL | Richard Simonetti

Fares, próspero comerciante, aguardava com ansiedade o término dos trabalhos mediúnicos em sala íntima, junto ao salão de reuniões públicas, no Centro Espírita. Desejava orientação para um problema que o afligia. Algo aparentemen­te simples, até ridículo para quem o apreciasse, mas terrível para ele que o enfrentava: uma dificul­dade no fechamento diário de sua próspera loja.

Dificuldade não era o termo exato. Diria melhor, batalha. Uma batalha contra o impulso de repetir intermináveis cuidados e verificações, rela­cionados com as instalações elétricas, o cofre, as janelas e a porta de entrada.

Esta última era o tormento maior. Parecia dotada de magnetismo. Por maior fosse seu empenho em afastar-se, era inexoravelmente atraí­do, levado a testar repetidamente se estava tranca­da. Pressionava para cima, como se fosse erguê-la, experimentando a resistência da fechadura central. Observava o cadeado embaixo, manualmente, porque não confiava no testemunho de seus olhos.

Ensaiando resolução, virava as costas e da­va alguns passos em retirada. Frustrava-se logo, porquanto a dúvida se instalava de imediato, tra­zendo-o a novas verificações. Repetia aquele bailado irracional múltiplas vezes, disfarçan­do para que ninguém percebesse seu comporta­mento desatinado.

Quando finalmente convencido de que tudo estava bem, já no estacionamento em tra­vessa próxima, ressurgia a infame dúvida: “Será que tranquei o cofre?”

Então se danava, forçado a rever a verificação, confrontando pela enésima vez a malfadada porta, a esquentar os miolos.

Confiava na ajuda espiri­tual. O médium encarregado do receituário era co­nhecido por suas virtudes como instrumento dos Espíritos em favor de pessoas atribuladas.

Encerrada a reunião, ouviu chamarem por seu nome. Levantou-se e foi ao encontro do aten­dente, que lhe entregou a esperada orientação. Em letra firme e alongada estava registrado:

Diagnóstico: Auto-obsessão.

       Tratamento: Passe e oração. Ler  Mateus, 6:19-21.

Fares estava perplexo. Já ouvira alguém se re­ferir à auto-obsessão como um processo em que o indivíduo alimenta ideias infelizes que o pertur­bam, colhendo sofrimentos voluntários, desneces­sários e inúteis, algo como morder a própria língua ou bater a cabeça na parede.

Chegando ao lar, buscou um exemplar de Novo testamento. No trecho recomendado, leu:

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a Terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam. Mas, ajuntai para vós outros tesouros no Céu, onde nem a traça nem a ferrugem corroem e onde ladrões não escavam nem roubam. Porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.

Impressionado, Fares considerou que talvez fosse melhor empenhar o coração em favor de ri­quezas mais consistentes, conforme a recomenda­ção de Jesus.

* * *

Quando nos envolvemos demasiadamente com o imediatismo terrestre, nossa mente passa a funcionar em circuito fechado, gerando dúvidas e angústias que crescem rapida­mente em nosso íntimo, como massa levedada.

Em tal situação, antes de cogitarmos da existência de supostos obsessores, melhor faríamos combatendo a auto-obsessão, no esforço por arejar nossa vida interior com ideias nobres e ideais santificantes, cuidando das “coisas do Céu”, para que as “coisas da Terra” não nos sufoquem.

Daniel Polcaro: