Os animais têm alma e perispírito?

CORREIO ESPÍRITA | Gerson Simões Monteiro

No século XVII, o filósofo francês René Descartes argumenta que animais não têm almas, logo não pensam e não sentem dor, sendo assim os maus-tratos não eram errados. Descartes ensinava que os animais são máquinas, agindo segundo as leis naturais, por não terem espírito. Essa concepção, que no tempo de Kardec era ainda bastante difundida, prevalece até hoje entre a maioria dos homens, porém os Espíritos a contestam, na Codificação da Doutrina Espírita.

Contra isso, Jean-Jacques Rousseau argumenta, no prefácio do seu Discursos sobre a Desigualdade (1754), que os seres humanos são animais, vide questão 585 de O Livro dos Espíritos- LE), embora ninguém “exima-se de intelecto e liberdade“ Entretanto, como animais são seres senscientes (capacidade de sofrer ou sentir prazer ou felicidade) “eles deveriam também participar do direito natural e que o homem é responsável no cumprimento de alguns deveres deles, especificamente “um tem o direito de não ser desnecessariamente maltratado pelo outro.”

RESPOSTA DE VOLTAIRE A DESCARTES

Também respondeu a Descartes no seu Dicionário Filosófico:

“Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, ideias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento.Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias….”

Mais tarde, no , um dos fundadores do moderno, o filósofo , argumenta que a dor animal é tão real e moralmente relevante como a dor humana e que “talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela mão da tirania”.

Bentham argumenta ainda que a capacidade de sofrer e não a capacidade de raciocínio deve ser a medida para como nós tratamos outros seres. Se a habilidade da razão fosse critério, muitos seres humanos, incluindo bebês e pessoas especiais teriam também que ser tratados como coisas, escrevendo o famoso trecho: “A questão não é eles pensam? ou eles falam?, a questão é: eles sofrem?”.

DIVISÃO DA NATUREZA EM QUATRO REINOS

Após o debate sobre os direitos dos animais sustentados por diversos filósofos, focalizei a pergunta 585 de O Livro dos Espíritos feita por Allan Kardec aos Instrutores da Humanidade: “Que pensais da divisão da Natureza em três reinos, ou ainda em duas classes: os seres orgânicos e os seres inorgânicos? Alguns fazem da espécie humana um quarto reino. Qual dessas divisões é a preferível?” Recebeu a seguinte resposta:

— Todas são boas: isso depende do ponto de vista. Encarados sob o aspecto material, não há senão seres orgânicos e seres inorgânicos; do ponto de vista moral, há, evidentemente, quatro graus.

Sobre essa resposta, o Codificador do Espiritismo fez o seguinte comentário: Esses quatro graus têm, com efeito, caracteres bem definidos; embora pareçam confundir-se os seus limites. A matéria inerte, que constitui o reino mineral, não possui mais do que uma força mecânica; as plantas, compostas de matéria inerte, são dotadas de vitalidade; os animais, compostos de matéria inerte e dotados de vitalidade, têm também uma espécie de inteligência instintiva, limitada, com a consciência de sua existência e de sua individualidade; o homem, tendo tudo o que existe nas plantas e nos animais, domina todas as outras classes por uma inteligência especial ilimitada que lhe dá a consciência do seu futuro, a percepção das coisas extra-materiais e o conhecimento de Deus.

VISÃO EVOLUCIONISTA

O animal, a partir do princípio inteligente, progride até atingir a condição de Espírito. Daí então, o Espírito progride intelectualmente e moralmente, até chegar ao nível de puro Espírito. A seguir, apresentei um gráfico da “Evolução do Espírito”, começando da sua criação como princípio inteligente. Este gráfico está publicado no livro Reencarnação é possível provar.

Para reforçar essa idéia, lembrei que Allan Kardec na questão 607, de o LE, ao indagar dos Instrutores da Humanidade onde passa o Espírito a sua primeira fase antes de habitar um corpo humano, recebeu a seguinte resposta:

— Numa série de existências que precedem o período que chamais de Humanidade.

Diante dessa resposta, o Codificador volta a questionar na questão 607. a): Parece, assim, que a alma teria sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação?

E a resposta foi a seguinte:

— Não dissemos que tudo se encadeia na Natureza e tende à unidade?

É nesses seres, que estais longe de conhecer inteiramente, que o princípio inteligente

se elabora, se individualiza pouco a pouco e ensaia para a vida, como dissemos. É,

de certa maneira, um trabalho preparatório, como o de germinação, em seguida ao

qual o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. É então que

começa para ele o período de humanidade, e com este a consciência do seu futuro, a

distinção do bem e do mal e a responsabilidade dos seus atos.

ALMA DOS ANIMAIS

No tópico relativo à alma dos animais do livro Emmanuel, psicografado por Chico Xavier, o benfeitor espiritual diz:

“Os animais têm a sua linguagem, os seus afetos, a sua inteligência rudimentar, com qualidades inumeráveis. São eles os irmãos mais próximos do homem, merecendo, por isso, a sua proteção e amparo. O homem está para o animal simplesmente como um superior hierárquico. Nos irracionais desenvolvem-se igualmente as faculdades intelectuais. O sentimento de curiosidade é, na maioria deles, altamente avançado e muitas espécies nos demonstram as suas elevadas qualidades, exemplificando o amor conjugal, o sentimento da paternidade, o amparo ao próximo, as faculdades de imitação, o gosto da beleza”.

PERISPÍRITO DOS ANIMAIS

Gabriel Delanne no livro de sua autoria Evolução Anímica relata um fato referente à existência do perispírito animal, extraído da obra L’Humanité posthume, do Sr. Dassier, que é o seguinte:

“Em fins de 1869, achando-me em Bordéus – diz Dassier – encontrei, à noite, um amigo que se dirigia a uma sessão de magnetismo, e que me convidou a acompanhá-lo. Anuí, desejoso de ver de perto o magnetismo, que até então só conhecia de nome. A sessão nada apresentou de notável: era a repetição do que ocorre comumente nas reuniões desse gênero. Uma jovem criatura, parecendo muito lúcida, oficiava de sonâmbula e respondia às perguntas que lhe dirigiam. Um fato inesperado surpreendeu-me, contudo. Ia a meio a sessão, quando um assistente, percebendo uma aranha no assoalho, esmagou-a com o pé. ‘Alto lá! – gritou logo a sonâmbula – Estou vendo evolar-se o Espírito da aranha!’. Sabemos que, na linguagem dos médiuns, o vocábulo Espírito corresponde ao que eu chamaria fantasma póstumo.

– Qual a forma desse Espírito? – perguntou o magnetizador.

– A mesma da aranha – respondeu a sonâmbula.”

ALMA DOS ANIMAIS INFERIOR A DOS HOMENS

A respeito dessa afirmativa em epígrafe, salientei que na questão 597 de O Livro dos Espíritos , formulada por Allan Kardec, se os animais têm uma inteligência que lhes dá uma certa liberdade de ação, há neles um princípio independente da matéria? Os Benfeitores Espirituais responderam que sim, e que sobrevive ao corpo. E, diante dessa resposta, volta a indagar o Codificador, questão 597 – a) Esse princípio é uma alma semelhante à do homem?

E a resposta: – É também uma alma, se o quiserdes: isso depende do sentido em que se tome a palavra; mas é inferior à do homem. Há, entre a alma dos animais e a do homem, tanta distância quanto entre a alma do homem e Deus.

INSTINTO – INTELIGÊNCIA – LIVRE ARBÍTRIO

No final da minha apresentação quanto ao fato de admitir-se que os animais só agem por instintos, apresentei o seguinte comentário de Allan Kardec ao final da questão 593 do LE:

“Além do instinto, não se poderia negar a certos animais a prática de atos combinados que denotam a vontade de agir num sentido determinado e de acordo com as circunstâncias. Há neles, portanto, uma espécie de inteligência, mas cujo exercício é mais precisamente concentrado sobre os meios de satisfazer às suas necessidades físicas e prover a sua conservação”.

E o codificador inquirindo Os Benfeitores Espirituais se os animais têm livre-arbítrio, eles responderam que os animais “não são simples máquinas, como supondes, mas sua liberdade de ação é limitada pelas suas necessidades, e não pode ser comparada à do homem. Sendo muito inferiores a este, não têm os mesmos deveres. Sua liberdade é restrita aos atos da vida material”.

CONCLUSÃO

Concluindo: se os animais sentem prazer e dor, alegria e tristeza, é sinal de que eles são dotados de um princípio inteligente a que chamamos de alma, bem inferior, é claro, que a do homem na escala da evolução anímica.

Portanto, os animais têm alma, porém não gozam de livre-arbítrio para os atos da vida moral, o que vão alcançar com o tempo ao entrarem no reino hominal, obedecendo à lei divina da evolução.

BIBLIOGRAFIA

O Livro dos Espíritos – Allan Kardec – Questões 115, 101, 107,112, 113, 593, 595, 597, 597-a, 606, 606-a, 607, 607-a.
A Gênese – Allan Kardec – Inteligência e Instinto
A Evolução Anímica – Gabriel Dellane
Reencarnação – Gabriel Dellane

Daniel Polcaro: