KARDEC RIO PRETO
Alan Kardec mostrou-se preocupado com a questão da identidade dos Espíritos desde o início da organização doutrinária, pois constatou a diversidade cultural e moral dos indivíduos desencarnados e entreviu os riscos inerentes ao relacionamento com eles.
Advertência
A questão da identidade dos Espíritos “é uma das mais controvertidas”, afirmou o Codificador no item 255 do capítulo XXIV de O livro dos médiuns (LM). É, na verdade, “depois da obsessão, uma das maiores dificuldades que apresenta” a prática mediúnica.
Certos Espíritos se passam por personalidades respeitáveis. Falseiam o caráter, ocultam suas disposições intelectuais, emocionais e morais, imitando as personalidades que lhes interessam, seja para transmitirem ensinos falsos, seja para enredar o médium na obsessão por fascinação, lisonjeando lhe a vaidade pela grandeza dos nomes que por ele se comunicam.
Orientações gerais
A identificação absoluta, induvidosa, de um Espírito é difícil de obter. Há casos em que ela é importante, em outros, é “questão secundária e sem importância real” (LM, it. 255).
Nas comunicações instrutivas o que importa é a apreciação moral dos Espíritos e a qualidade de seus ensinos. Os nomes ajudam a fixar as ideias, associando-as a seus autores. Os Espíritos bons podem usar emprestado o nome de uma personalidade respeitada, de semelhante grau de elevação espiritual, sem que isso traduza fraude, somente a indicação de sua ordem evolutiva. Os “melhores Espíritos podem substituir-se mutuamente, sem maiores consequências”; eles formam, por assim dizer, “um todo coletivo” (LM, it. 258), em que há “solidariedade e analogia de pensamentos” (LM, it. 268, subit. 4).
Já o mesmo empréstimo não desonera da condição de usurpadores os Espíritos que querem esconder sua ordem evolutiva inferior, atribuindo–se um nome respeitável, com o objetivo de receber mais crédito às suas palavras.
A identificação dos Espíritos é, sobretudo, relevante nos casos de comunicações íntimas, isto é, de familiares e amigos, “porque aí é o indivíduo, a sua pessoa mesma que nos interessa” (LM, it. 256).
Provas possíveis
Na Revista Espírita de março de 1862, analisando o caso Carrère, Allan Kardec declarou que “as melhores provas são as que se originam da espontaneidade das comunicações”.(6)
O estilo de linguagem, o emprego de palavras do gosto pessoal, as citações de fatos particulares de suas vidas, desconhecidos dos praticantes, circunstâncias especiais e imprevisíveis que se apresentam ao longo e na sucessão dos diálogos produzem um mosaico de elementos demonstrativos da identidade dos comunicantes.
A “melhor de todas as provas de identidade está na linguagem e nas circunstâncias fortuitas” (LM, it. 260). Por isso, é melhor esperar que as provas surjam naturalmente, e não provocá-las, pedindo-as aos Espíritos (LM, it. 258).
Identificação pela caligrafia e assinatura
A semelhança de caligrafia e de assinatura nas comunicações psicográficas gera uma presunção favorável à identidade, mas não uma garantia. “Há falsários no Mundo dos Espíritos” (LM, it. 260).
Identificação pela linguagem
“Julgam-se os Espíritos, como os homens, pela sua linguagem” (LM, it. 255).
Há relação entre a linguagem e o grau de elevação espiritual. Ela revela o indivíduo: formação, moral, ideias, gostos, ideais, manias. Emmanuel afirmou que “a fala, de modo invariável, reflete o grupo moral a que pertencemos”(8) é o “índice de nossa posição evolutiva”.(9) E Jesus ensinou (10) que “da abundância do coração fala a boca” (Mateus, 12:34).
A lógica e o bom senso nas comunicações
Kardec enfatizou que uma comunicação deve ser examinada perscrutando e analisando suas ideias e expressões, “rejeitando, sem hesitação, tudo o que for contrário à lógica e ao bom senso, tudo o que desminta o caráter do Espírito que supomos esteja se manifestando” (LM, it. 266).
O Codificador completou sua recomendação: “este é o único meio, porém, o meio infalível, porque não há comunicação má que resista a uma crítica rigorosa” (LM, it. 266); “Tudo o que se afaste da lógica, da razão e da prudência não pode deixar dúvida quanto à sua origem” (LM, it. 267, subit. 5).
Distinção entre os Espíritos bons e maus
É imprescindível verificar em que grau da escala espírita se encontram os Espíritos que fazem comunicações instrutivas ou que se apresentam como guias espirituais, e assim saber que medida de confiança merecem. “A individualidade deles pode até nos ser indiferente; nunca, porém, suas qualidades morais” (LM, it. 262).
A linguagem dos Espíritos Superiores é elevada, modesta, concisa, pois “têm a arte de dizer muitas coisas em poucas palavras” (LM, it. 267, subit. 9); pode até conter gracejos, mas “finos e sutis, nunca triviais” (LM, it. 267, subit. 24).
O que mais interessa numa comunicação é “sondar-lhe o íntimo, analisar suas palavras, pesá-las friamente, maduramente e sem prevenção” (LM, it. 267, subit. 5).
Identificação pela aparência
Kardec perguntou aos Espíritos se entre eles haveria aqueles capazes, “[…] aos olhos de um médium vidente, de tomar uma falsa aparência?” (LM, it. 268, subit. 14) Sim, responderam; é possível enganar “por meio das falsas aparências”.
Identificação pelo estado vibratório
Os Espíritos bons transmitem impressão agradável, suave, tranquila. A aproximação dos Espíritos maus produz mal-estar, pode até causar agitação física, pelo modo com que afeta a sensibilidade nervosa do médium (LM, it. 267, subit. 19).
Kardec, entretanto, chamou a atenção para um detalhe:
“[…] O caráter penoso e desagradável da impressão é um efeito de contraste, pois se o Espírito do médium simpatiza com o Espírito mau que se manifesta, será pouco ou nada afetado pela proximidade deste” (LM, it. 268, subit. 28 – Comentário de Kardec).
Observações finais
Para “julgar os Espíritos, como para julgar os homens, é preciso, primeiro, que cada um saiba julgar-se a si mesmo” (LM, it. 267, subit. 26).
A educação da mediunidade passa por fases diversas num percurso quase sempre longo. A paciência é a prova mais comum, nos períodos iniciais, e o discernimento é a vitória progressiva da maturidade, resultante do estudo e da experiência.
Não é desprestígio equivocar-se na identificação dos Espíritos, ou sofrer mistificações, nem isso significa ausência de boa assistência espiritual. Mesmo os bons médiuns podem ser enganados; embora “com menos frequência” (LM, it. 226, subit. 9).
O erro tem valor educacional como caminho no processo.
De tudo se colhe um ensinamento, mesmo das piores coisas. Cabe a vós saber colhê-lo. É preciso que haja comunicações de toda espécie, para que aprendais a distinguir os Espíritos bons dos maus e para que vos sirvam de espelho a vós mesmos” (LM, it. 268, subit. 16).
Wesley Caldeira
Fonte: http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/C_autores/CALDEIRA_Wesley_tit_Questao_das_assinaturas_de_espiritos-A.htm
REFERÊNCIAS:
1 KARDEC, Allan. 0 que é o espiritismo. Tradução da redação de Reformador em 1884. 56. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. cap. II, it. 93 a 96.
2 _. O Livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013.
3 EURÍPIDES. Alceste, Electra, Hipólito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 110 e 111.
4 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Trad. Gilberto da Silva Gorgulho et ai. [8. imp.] São Paulo: Paulus Editora, 2012.
5 SHAKESPEARE, William. Tragédias. Trad. Beatriz Viegas-Faria. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2003. 1 Ato, Cena III, p. 151 e 154.
6 KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 5, n. 3, p. 117, mar. 1862. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2014.
7 PERANDRÉA, Carlos Augusto. A psicografia à Luz da grafoscopia. São Paulo: Editora Fé, 1991.
8 XAVIER, Francisco C. Seara dos médiuns. Pelo Espírito Emmanuel. 20.ed. 7º imp. Brasília: FEB, 2016. cap. 27 -Palavra.
9 _. Vinha de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. cap. 73 – Falatórios.
10 DIAS, Haroldo Dutra. 0 novo testamento. Brasília: FEB, 2013.
11 WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. ALLan Kardec. pesquisa biobibliogrófica e ensaios de interpretação. 4. ed. Brasília: FEB. v. 3,1982. p. 130.
12 KARDEC, Allan. 0 evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 6. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2016. Introdução, it. II.
13 XAVIER, Francisco C. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2016. cap. 14 – Páginas.
14 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Trad. Gilberto da Silva Gorgulho et aL. [8. imp.] São Paulo: Paulus Editora, 2012.
15 XAVIER, Francisco C. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2016. cap. 14 – Páginas.
16 FRANCO, Divaldo Pereira. Transição planetária. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 2. ed. Salvador: LEAL, 2010. p. 217.
17 XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. 27. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. cap. 9, it. Microcosmo prodigioso, p. 73 e cap. 16, it. Sincronia de estímulos, p. 127.
18 FRANCO, Divaldo Pereira. Trilhas da Libertação. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 10. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2014. cap. Advertências salvadoras, p. 126.
19 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 6. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2016. Introdução, it. II.
20 Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 6, n. 5, p. 212, mai. 1863. Trad. Evandro Noleto Bezerro. 4. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2014.
21_,_. p. 212 e 213.