Após 28 anos, homem deixa prisão e é ‘adotado’ pela irmã de sua vítima

ASSOCIATED PRESS

Bobby Hines dá um passo à frente, sorrindo ao abraçar a irmã do homem por cuja morte ele foi condenado.

Preso durante 28 anos, ele esperou por muito tempo para conhecer Valencia Warren-Gibbs, para falar com ela sobre aquela noite em 1989 quando o irmão mais velho dela, James, foi baleado depois que Hines e dois outros o confrontaram em uma disputa sobre drogas.

Aos 15 anos, Hines foi condenado à prisão perpétua sem condicional. Agora ele está livre, um homem de 43 anos vivendo em uma cidade que deixou para trás como um aluno da oitava série. Lentamente, está checando a lista de coisas que precisa fazer: já encontrou um trabalho, desfrutou de uma refeição em um restaurante de verdade e aprendeu a tirar fotos em seu novo celular.

E agora em um domingo, 20 dias após ser libertado, veio se sentar com a irmã de sua vítima e assumir sua responsabilidade na morte de Warren.

“Você sabe por que?”, ele pergunta a ela, batendo os dedos na mesa para enfatizar. “Eu nunca vou esquecer o que eu fiz”.

Ele pode não esquecer, mas pode corrigir, seguir em frente e fazer seu melhor para aproveitar ao máximo sua extraordinária segunda chance. Após quase três décadas atrás das grades, está aprendendo o que é ser Bobby Hines novamente – mais velho, esperançosamente mais esperto e um estranho ao mundo de 2017.

Liberdade

“Conseguimos”, declarou Hine, quase inaudível, como se tivesse acabado de cruzar uma linha de chegada.

Ele saiu da prisão pontualmente às 9 horas da manhã de 12 de setembro, de braços dados com sua irmã, Myra, que irradiava alegria, sorria e descansava sua cabeça no ombro do irmão enquanto eles se aproximavam do carro que os levaria dali.

Mais de 10 mil dias tinham se passado atrás das grades, mas Hines tinha se recusado a acreditar que morreria ali dentro.

“Deus não vai deixar isso acontecer”, ele dizia, sempre confiante de que um dia encontraria seu caminho para a liberdade.

Sua libertação veio depois que a Corte Suprema dos EUA ampliou a proibição de prisões perpétuas sem condicional para criminosos juvenis que já estavam na prisão, lançando uma onda de novas sentenças e a liberdade de dezenas de prisioneiros de Michigan a Pensilvânia, Arkansas e outros estados.

Hines, um dos pelo menos 99 condenados à prisão perpétua que já receberam novas sentenças no Michigan, não foi o atirador. Mas procuradores o acusaram de ser o líder da gangue no ataque que matou James Warren, argumentando que ele provocou os outros dois adolescentes, dizendo algo como “atire nele” ou “dê isso a ele”, quando o trio o confrontou.

Quando Hines deixou a prisão em 12 de setembro, ele enfrentou as mesmas os mesmos obstáculos que outros ex-condenados libertados: não tinha dinheiro, histórico de trabalho ou experiência como adulto na sociedade – um mundo no qual foi dito que jamais conviveria novamente. Para alguns, sair depois de 20, 40 ou mesmo 50 anos parece um pouco como uma viagem no tempo.

Ele era um garoto pequeno, de apenas 1,60m, quando repentinamente se viu trocando a identidade do ensino médio por um número de registro na prisão. A cadeia era um ambiente tão brutal, diz, que a chamava de Serengeti, como as planícies africanas cheias de vida selvagem, onde a sobrevivência do mais apto é a regra. Em sua primeira década, se envolveu em diversas brigas. Então prisioneiros mais velhos se tornaram pais adotivos, o ensinando a se comportar e manter sua cela limpa.

“Depois de um tempo”, diz, “você começa a se adaptar… a depender do encarceramento mais e mais”.

Finalmente, ele conseguiu um diploma equivalente ao do ensino médio, fez um curso preparatório de faculdade de negócios e completou uma série de programas de auto-ajuda e treinamento.

Em junho, depois de se tornar elegível à condicional, Hines foi transferido ao Macomb Correctional Facility, no norte de Detroit, para se unir a jovens condenados à prisão perpétua que ganharam novas sentenças e serão libertados. Oficiais carcerários reuniram esses prisioneiros em um único lugar enquanto expandem programas existentes para ajudá-los a aprender sobre finanças, tecnologia e outros aspectos da vida diária. Aqueles com datas de condicional têm acesso a programas educacionais e de treinamento profissional que antes não ficavam disponíveis para eles.

“Estamos tentando fazer um pouco mais porque está em uma situação tão única”, diz Chris Gautz, porta-voz do Departamento de Correções de Michigan. Esses prisioneiros tinham a expectativa de morrer na prisão, diz. “Queremos prepará-los de uma forma que eles provavelmente não retornem”.

A maioria dos jovens condenados à perpétua libertados até agora ao redor dos EUA está fora da prisão há um ano ou menos. Oficiais correcionais em Pensilvânia, Michigan e Louisiana, que juntos somam quase 1.200 deles, dizem que, até o momento, nenhum violou a condicional ou cometeu outro crime.

No inverno passado, Hines começou a se encontrar com um voluntário do Project Reentry, um programa dentro do escritório de apelações do estado no qual estudantes de assistência social ajudam pessoas na condição dele a se preparar para a liberdade. Um estudante se encontrou com Hines, visitou a casa da irmã dele para planejar sua mudança e tirou fotos da casa de Myra como parte de um extensivo plano pós-libertação apresentado ao juiz encarregado da nova sentença.

Hines também teve conversas sinceras com sua advogada, Valeria Newman, uma encarregada de apelação do estado que garantiu a libertação de cerca de meia dúzia de jovens condenados à perpétua em Michigan no ano passado. O conselho dela a Hines foi o mesmo dado aos outros: vá devagar.

“Você tem que pensar em si mesmo como uma criança pequena”, ela disse. “Você está aprendendo a andar, você precisa dar pequenos passos. Tudo precisa ser feito em pequenas etapas, e você tem que ser bom para si mesmo. Há uma grande tendência a ficar muito frustrado. Há uma grande curva de aprendizagem”.

Newman espera que Hines se dê bem por causa do apoio da irmã dele, de sua vontade em aprender coisas novas e por sua valorização pela liberdade.

“Ele carrega tanta culpa pelo que aconteceu e pelo que fez”, diz. “Muitos clientes sentem enorme remorso pelo que fizeram, mas eles aprendem a lidar com isso. Eles apenas querem retribuir”.

‘Vou me acostumar’

A cada lugar que parava após ser libertado, havia algo novo para experimentar.

Seu primeiro encontro com seu oficial da condicional, que estabeleceu as regras: ele deve comparecer todas as primeiras e terceiras sextas-feiras do mês, pagar uma taxa de US$ 240 por ano de supervisão da condicional e US$ 1.033 em restituição – pelo funeral de sua vítima.

Sua primeira refeição, no Royal Barbecue, onde ele examinou um cardápio de cinco páginas, encantado por não ter que engolir a comida em 10 minutos. Ele escolheu frango frito, feijões cozidos e salada de repolho.

Sair, ele diz, é como nascer de novo. “Se você morresse e fosse para o inferno e visse toda a destruição e briga e matança lá embaixo e Deus soprasse a vida de volta em você e você recebesse uma segunda chance – é isso”.

A última parada do dia é a arrumada casa verde de sua irmã no noroeste de Detroit, ao final de uma rua quieta, com uma aparência quase rural, com um bosque beirando o quintal. Do outro lado da rua ficam jardins comunitários onde moradores, incluindo Myra, cultivam verduras vendidas em mercados abertos.

Hines carrega os pertences de sua vida – uma caixa e um saco plástico de registros e documentos – para dentro da casa, onde é farejado pela pequinês cega de sua irmã, Sasha. Ele então se recolhe a uma mesa de piquenique no quintal com suas mais valiosas posses: os poemas e ensaios que escreveu na prisão para se manter são.

Ele percorre a pilha de papel até ver um título, “100 Ferramentas para o Pensador Pensativo”, reflexões de Hines sobre a vida, incluindo seu papel na morte de Warren. Segundo registros da corte, Warren, de 21 anos, tirou a jaqueta de um jovem que devia a ele dinheiro por drogas. Esse homem chamou Hines e outros para confrontá-lo. Hines, que rejeitou um acordo de 20 a 40 anos, foi o último dos três envolvidos no crime a ser libertado.

Hines não desculpa seu passado.

“Quando jovem, soube que tinha atingido o fundo do poço quando escolhi me envolver em tirar a vida de outro homem”, escreveu. “Eu tinha a mentalidade de… destruir a mim mesmo e a minha comunidade… eu aprendi que quando você tira a vida de uma pessoa… não há forma verdadeira de acertar essa morte com os membros da família dela. Eles estarão marcados para sempre”.

Ele então lê um poema que escreveu sobre tempo, um tópico que o fascina depois de tantos anos distante.

“Tempo”, ele diz, “é perder 27 dos seus malditos anos. Tempo é prisão. Tempo é paciência. Tempo é concreto e aço… tempo é fogo e fúria. Tempo é Mr. James Warren que eu matei em um quarteirão”.

Ele se senta para absorver as palavras, então explica que, ao longo do tempo, se tornou mais consciente da dor que causou.

“A maior coisa na prisão… é ser capaz de encarar o que você fez”, diz. “Uma vez que você consiga encarar seus medos sobre o que fez, então e só então você pode seguir adiante e ser uma pessoa melhor”. Foram necessários dez anos, ele diz, para entender seu erro. “Sou furioso comigo mesmo por permitir que minha ignorância me levasse a esse caminho”.

Hines disse que ficou comovido pela irmã de Warren, Valencia, e pelo pai deles, Henry, que falaram a favor de sua liberdade em sua audiência de nova sentença em março, dizendo que ele já tinha sido punido o suficiente. O juiz impôs então uma pena de 27 a 60 anos, abrindo caminho para que Hines conseguisse a condicional.

Warren-Gibbs estava ciente da data de libertação de Hines, e naquele dia pensou em seu irmão, James. Ela teve inveja porque Hines estaria indo para casa de sua irmã. “Eu queria que fosse meu irmão que eu pudesse ver”, diz. “Senti-me culpada. Senti-me egoísta por me sentir dessa forma”.

Mas ela estava feliz, também, e aliviada por ver que Hines tem uma oportunidade de reconstruir sua vida. “Para mim”, diz, “o perdão se iguala ao oxigênio”.

Hines entende que a perda da família deixou um buraco em seus corações.

“Se eles precisarem de mim a qualquer hora, estarei disponível 100%, sabe, porque eles perderam alguém amado e eu estou livre”, diz. “Deixe-me ocupar esse espaço. Deixe-me retribuir”.

Encontro

Quase três semanas depois, Hines e Warren-Gibbs se sentam em uma mesa, lançando as sementes da mais improvável amizade.

Durante cerca de três horas no escritório da advogada de Hines, os dois falam sobre suas famílias, o encontro de Hines com sua namorada de infância e seu novo emprego em uma companhia de dejetos industriais onde sua irmã trabalha. Eles riem algumas vezes, mas falam, também, da tragédia que o colocou na prisão.

“Tudo o que você faz neste mundo, você tem que pagar”, diz Hines a ela. “Você não pode se livrar colocando a culpa no universo e pensando que elas não vão voltar e te pegar”.

Hines mantém que nunca encorajou ninguém a atirar em Warren, mas diz que se arrepende de sua omissão. “Se eu tivesse sido esperto o suficiente… eu teria evitado”.

Warren-Gibbs diz a Hines que escreveu várias cartas para ele ao longo dos anos, mas nunca se sentiu confortável para enviar. De vez em quando, buscava seu perfil prisional online, esperando que um dia seu rosto não aparecesse, indicando sua libertação.

“Desejaria ter feito mais para ajudar”, diz. “Quero apenas o melhor para você”.

Quando a conversa se volta para o futuro, Warren-Gibbs fala de um novo laço – “estamos conectados”, ela proclama com um sorriso – e diz a Hines que gostaria que ele se tornasse algo como um irmão adotivo.

“Se você precisa de um irmão, tem a mim”, ele responde. “A qualquer hora que precisar, me chame”.

Os dois trocam números de telefones, posam para fotos que imediatamente enviam um ao outro e prometem ficar em contato.

Então se despedem, com um abraço apertado. Warren-Gibbs sussurra “bem-vindo ao lar”, enquanto uma lágrima desce em seu rosto.

Warren-Gibbs recentemente contou à Associated Press que ele e Hines trocam mensagens de texto todos os dias. Ele até enviou a ela uma foto de seu primeiro holerite e ela planeja convidá-lo para um jantar de família. “Parece mesmo”, ela diz, “coisa de irmão e irmã”.

Daniel Polcaro: